A caminho do terminal integrado, pensava como poderia ter sido tão displicente a ponto de deixar o estojo com as canetas e pendrive no balcão da lanchonete, no dia anterior. Era preciso voltar lá e recuperá-lo, mas estaria aquele discreto artefato preto, da cor do balcão, guardado em algum lugar daquele estabelecimento comercial? Teria algum transeunte sido mais rápido que os vendedores de lanche e levado consigo o estojo esquecido? Perguntas que só a ida ao local da perda poderia responder.
Chegando lá, as velhas perguntas: "Você viu..."; "Alguém lembra, por um acaso...". As velhas respostas: "Sempre guardamos o que as pessoas esquecem aqui, mas quando a gente vê... Olha só o que deixam..." Sem sombra de dúvida, carteiras, relógios e até celulares são mais interessantes que um estojo com canetas e um pendrive. Não estava lá, ao menos naquele momento. Mas já que eu estava, vamos lanchar; ora, por que não? De súbito, um brado horripilante se fez ouvir por todo pátio de embarque e desembarque por onde passam passageiros de ônibus e metrô. Um grito de desespero que fez muita gente se voltar para um rapaz e uma criança de seus 4 ou 5 anos. Era um grito de agonia infantil, de uma criança que clamava pela mãe; aliás, bradava! Esta já se encaminhara para um carro, no qual a esperava outro homem. O rapaz, ao meus olhos, era um pai separado que levava seu filho - desacostumado a separar-se da mãe - para um fim de semana. Não era isso. Aí está o problema...
Em meio a conversas despretensiosas com outros clientes, também curiosos com a triste situação, concordei com um deles que se tratava de uma partilha no tempo de convívio com a criança: "- O pai deve estar levando o menino para passar o fim de semana e ele não deve estar querendo ir. Não quer se separar da mãe. Já passei por isso. É horrível; dói na pele." Ao passo que o atencioso cliente dizia: "- É fogo, né? E o pior é que o cara fica todo errado, porque o menino grita que só. Parece até que estão batendo nele..."
Sem que me desse conta, o colega de lanchonete dirigiu-se para os dois com um pirulito na mão e foi ter com o pai, que tentava acalmar o filho: punha nos braços, punha no chão, sentava... Gestos vários, mas o menino só reduziu os brados a conta gotas. Doía em mim ver a criança pendurada no pai, estendendo as mãos e pedindo: "Quero minha mããããeeeee!!!" Era um pedido sincero... Puro... Mas não atendido, porquanto a genitora já não se mostrava na cena. O lamento da criança era, pois, em vão. O esforço do pai era quase sobre-humano. Quando meu colega de momento voltou, fui saber se minha tese era mesmo verdadeira, se se tratava de fato de um pai separado que tentava fazer jus ao direito de ter o filho num fim de semana. Ledo engano. A história era ainda mais triste...
O homem que conduzira o carro no qual a mãe do desesperado garoto partira era, na verdade, seu novo marido, segundo o pai da criança. O menino havia passado duas semanas apenas com a genitora - e assim pretendo chamá-la até o termino dessa história, porque o título de mãe aquela cidadã não merece. Segundo relatou o cliente curioso, prestativo e solidário, ela marcou com o pai na estação, a fim de devolver o menino ao mesmo. Não mais queria ficar com ele. Não mais queria ser mãe de fato e de direito. Passara a guarda ao pai e retirara o nome da certidão da criança!!! Isso é desumano.
O grito desesperado que dava o menino era tão inocente quanto seu amor por ambos genitores. Consolado a custas de muito carinho e paciência, o garoto seguiu terminal adentro, pendurado no pescoço de seu pai. Meu olhar os acompanhou atentamente até sumirem em meio a multidão, que por eles passava alheia à desgraça futura que se prenunciava após tal feito. Concordei com o ilustre e prestativo cliente do pirulito que situação desse tipo só pode causar traumas sem precedentes às crianças. O menino fora rejeitado publicamente por aquela que ele chamava de mãe. Fora rejeitado judicialmente! Não há como julgar seu ato com precisão, mas, de certo, negar a maternidade de um filho, após separar-se de um homem é, no mínimo, um crime contra a saúde mental da criança. Não sei que lei permite tal feito; mas com certeza deveria haver (se já não há) uma para punir, em caso de danos futuros serem comprovados.
Segui em direção à estação com o esquecimento do estojo e a triste lembrança de um garoto de seus 4 a 5 anos, que chorava por uma mãe que não mais lhe quis. No mural da estação, um cartaz dizia em letras garrafais de tamanho alternado: "Seja o herói de seu filho." Referia-se a uma campanha para o reconhecimento da paternidade, encabeçada pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco e patrocinada por diversas entidades ligadas ao Direito. Oxalá aquele pai seja mesmo um herói, uma vez que aquela criança, de maternidade negada, precisará dele a vida toda.
Chico Aguiar
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